quinta-feira, 28 de maio de 2009

Noite escura - por São João do Cruz

Em uma noite escura

De amor em vivas ânsias inflamada

Oh! Ditosa ventura!

Saí sem ser notada,

?stando já minha casa sossegada.


Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,

Oh! Ditosa ventura!

Na escuridão, velada,

?stando já minha casa sossegada.

Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,

Nem eu olhava coisa alguma,

Sem outra luz nem guia

Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia

Aonde me esperava

Quem eu bem conhecia,

Em lugar onde ninguém aparecia.

Oh! noite, que me guiaste,

Oh! noite, amável mais do que a alvorada

Oh! noite, que juntaste

Amado com amada,

Amada no amado transformada!


Em meu peito florido

Que, inteiro, para ele só guardava,

Quedou-se adormecido,

E eu, terna o regalava,

E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava,

Com sua mão serena

Em meu colo soprava,

E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;

Tudo cessou. Deixei-me,

Largando meu cuidado

Por entre as açucenas olvidado.


. . .


São João da Cruz foi um frade carmelita espanhol, famoso por suas poesias místicas.